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Tirando a notícia de que 2015 será o último ano do programa Zorra Total, 2014 tem chegado ao seu fim com poucas notícias alegres. Primeiro tivemos uma eleição que conseguiu deixar o congresso ainda mais conservador, ampliando a horda de homofóbicos, sexistas e arautos do fascismo. Foi também neste final de 2014 que nos deparamos com a morte de Roberto Bolaños, ninguém menos que o criador dos maiores fenômenos da tv latino-americana, e me atrevo até em afirmar que do mundo nos últimos 30 anos. 

 

A morte de Bolaños não é a morte de uma simples celebridade, pois representa uma ausência criativa no já empobrecido universo dos programas de tv. Ainda temos alguns poucos programas que conseguem não subestimar a inteligência que nos resta enquanto espécie humana, como Os Simpsons e South Park no segmento de séries e uma grande surpresa na tv brasileira dos últimos dois anos, O Infiltrado, do History Channel. No entanto, o horizonte parece pouco promissor. 

 

A saúde debilitada já há alguns anos fez com que a lacuna deixada por Bolaños se estendesse para além do vazio criativo, pois seus personagens eram transvestidos de uma caricatura pueril e ingênua para produzir no espectador um silencioso desconforto diante de nossas contradições e equívocos morais. Por que Dona Florinda precisa ser tão arrogante e esnobe se mora na mesma vila que Chaves e Seu Madruga? Por que Seu Barriga, dono de praticamente todos os imóveis da vila, se mostra em vários momentos uma pessoa generosa com chaves, mas persegue Seu Madruga que lhe deve "apenas" 14 meses de aluguel? Por que tanto crianças como adultos chamam Dona Clotildes de bruxa sem conhecer sua história de vida ou sem saber o que existe por trás da porta de sua casa (quem não se lembra do famoso episódio "é você satanás")?

 

Não são apenas com essas provocações que os personagens de Bolaños nos divertia ao mesmo tempo que nos provocava. Um tema que sempre identifiquei nas histórias do Chaves mas que nunca achei repercutido em lugar algum é o tema da invisibilidade social, muito forte na realidade brasileira, mas que é universal em sua essência: indivíduos que não são percebidos fisicamente por sua condição social ou que são ignorados para não incomodar aqueles que não querem ser confrontados pela sua culpa com as mazelas sociais. Sempre vi o barril do chaves como sendo muito mais do que a suposta casa do personagem, sempre o percebi como um arquétipo de invisibilidade, pois é pra lá que o personagem se dirige toda vez que se torna inconveniente, onde busca refúgio após sofrer uma agressão por produzir algum desconforto nas pessoas. 

 

Talvez não seja mera coincidência que o personagem Chaves, justamente aquele que  busca (ou é coagido à isso) refúgio na solidão de um barril seja a representação de uma criança sem família, sem endereço e consequentemente sem referências para construir uma moralidade que lhe dê discernimento sobre o que que é certo ou errado, embora a falta de (pré) conceitos muitas vezes é a condição para seus questionamentos ingênuos, mas pertubadoramente sinceros. E sem a tolerância dos que estão à sua volta, talvez não seja mero acaso que o personagem criado por Bolaños se aproxime da imagem dos que esperamos que a redução da maioridade penal os coloque no barril da invisibilidade sem questionar o que produz a realidade perturbadora da qual eles são protagonistas  

 

P.S. Júnior Silva nunca fez cosplay do Seu Madruga, mas é constantemente confundo com ele. 

Muito Além do Barril

 A morte de Roberto Bolaños e o vazio criativo na televisão  

Júnior Silva - 08/12/2014

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