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O Pai da "Poesia" e a Desobediência Civil

Livro de ficção infanto-juvenil causa polêmica em escola nos EUA  

Se ao longo da minha vida como professor eu tivesse me deparado com uma aluna chamada Poesy Emmeline Fibonacci Nautilus Taylor Doctorow, acharia que os pais se tratavam de pessoas que escolheram esse nome sobre o efeito de drogas pesadas ou iria querer conhecê-los imediatamente, pois só poderiam ser pessoas fascinantes. Afinal de contas, quem daria a sua filha um nome que tivesse as palavras Poesy (poesia) e Nautilus (termo que se refere ao organizador de arquivos do software livre UBUNTU).

  

A pessoa com este nome existe e é a filha de 4 anos do canadense Cory Doctorow, um indivíduo realmente fascinante. Ativista ciberpolítico, escritor e agitador filosófico, desde cedo ele bebeu em fontes que provocam a percepção sobre a realidade. Foi ativista do Greenpeace ainda criança enquanto estudava em escola de tendência anarquista. Na vida adulta se destacou em atividades relacionadas a militância em favor da liberdade de expressão no mundo virtual e o compartilhamento livre das novas tecnologias da informação. Tal ativismo evoluiu para uma bem sucedida carreira como escritor de ficção científica com cunho político para o público adolescente.

 

É justamente no campo da literatura que Cory vive a última grande polêmica da sua carreira. Nesta semana o diretor de uma escola da educação básica da cidade de Penscola, na Flórida não permitiu que o livro de Cory, “Pequeno Irmão” fosse lido pelos alunos que participam de um programa literário do sistema de ensino local. O livro traz um assunto bem recorrente nas abordagens do escritor, que coloca no centro da história um jovem de 17 anos vivendo em uma sociedade onde os direitos civis são suspensos em nome da segurança nacional, com restrições a liberdade de expressão, ao direito de ir e vir, controle da privacidade, tudo isso com foco nas interações tecnológicas e virtuais. O “problema” é que diante desse contexto o enredo do livro propõe uma postura de desobediência civil, ponto que incomodou o diretor da escola que argumentou agir para preservar a comunidade da qual a escola faz parte.

 

Não li o livro de Cory proibido pelo diretor da escola da Flórida, mas a questão da desobediência civil por conta dos abusos de governos é recorrente na literatura e no cinema por se tratar de um tema recorrente também na história humana desde as civilizações da antiguidade. Desde o surgimento das ideias Iluministas e da Revolução Francesa o Estado foi reconfigurado em uma instituição com objetivo de moderar a relação entre os elementos da sociedade. Mas parece que Rousseau, um dos precursores do Iluminismo, ao dizer que o povo deveria ter o direito de tirar o governante do poder quando este não correspondesse mais aos interesses da sociedade já previa que depois de alguns poucos anos com este pode nas mãos o indivíduo começa a se achar Deus e parece não aceitar mais ter seus interesses ou de seus iguais contrariados, passando a usar discursos falaciosos não só para se manter no poder, mas para usá-lo como desejar. Recentemente temos vivido no Brasil situações promovendo discussões acerca dos limites que o Estado pode ou não impor ao direito a liberdade de expressão para preserva a “ordem pública”.

 

Espero ter a oportunidade de ler “Pequeno Irmão”, não por achar que Cory Doctorow tenha criado uma receita para encontrar uma resposta pro o uso que o Estado faz da força em nome da “ordem pública”, mas porque a arte sempre ajuda a iluminar um pouco as coisas a nossa volta, além de oxigenar as idéias sobre nossa relação com o mundo, uma busca tão necessária quanto a certeza de que a política continuara a alimentar a literatura e o cinema com suas mazelas.

 

Confira abaixo o trecho de uma entrevista de Cory Doctorow de 2012.  

 

 

P.S. Júnior Silva acredita não ter filhos, mas poderia chamá-los de Linux e Torrent

 

 

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