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Robocop 2014

Filmes

 

Quando me deparei pela primeira vez com a notícia de que o diretor do reboot do filme Robocop seria o brasileiro José Padilha (Ônibus 174 e Tropa de Elite 1 e 2) fique muito intrigado, pois os filmes que havia dirigido até então, densos e com temáticas de grande complexidade social não combinavam com um Blockbuster Hollywoodiano. Tomado pela curiosidade, e mesmo morrendo de medo de me deparar com hordas de adolescentes insanos, tratei de assistir o filme logo na primeira semana em que estreou, e constatei que Padilha habilmente colocou várias discussões relevantes para o tempo em que vivemos, mas vou destacar apenas algumas neste texto.

 

Nos dez primeiros minutos já tinha minha resposta, e ela veio no personagem do sempre excelente Samuel L. Jackson, que interpreta uma espécie de apresentador sensacionalista de um noticiário de tv, uma espécie de Datena da vida. Com posições claramente de direita, ele defende o fim de uma lei federal que proíbe o uso de robôs na segurança pública dos EUA, mas que em ações militares fora do país já são utilizados. É justamente em uma das falas do jornalista interpretado por Jackson que percebi que havia ali uma temática densa, não deixando o filme se resumir em um “pipocão adolescente” de final de semana. Ao acompanhar um link ao vivo de uma equipe do seu programa que se encontra cobrindo uma ação militar dos EUA no Oriente Médio, o personagem de Jackson tenta mostrar (do seu jeito, é claro) como o uso de robôs na segurança pública seria muito positivo, já que o número de vidas norte-americanas perdidas em ações militares fora do país havia chegado a zero com o uso de robôs, drones e aviões não tripulados. No entanto, a morte de civis ou militares dos países que sofrem essas ações não é questionada. Rapidamente me veio à cabeça o Vietnam na década de 60, e também o Iraque a poucos anos atrás, que na gestão do Obama começou a ser desocupado, muito mais por conta do desconforto com mortes de soldados norte-americanos do que pela ideia de deixar o país livre da intervenção externa. Foi aí que comecei a me questionar: será que já não temos uma realidade assim, pois já é comum o uso de aviões não tripulados para espionar países, robôs mergulnado no fundo do mar e explorando marte, e sem falar no sistema de formação de policias e militares, que de vez em quando constatamos por meio de vídeos que vazam mostrando uma tentativa de desumanizar e tirar a sensibilidades desses agentes se segurança.     

 

O filme segue com a indústria que produz os robôs encontrando uma brecha jurídica na lei que proíbe o uso deles na segurança interna, pois ela não fala nada sobre um policial metade máquina, metade humano. A partir daí, como na primeira versão de 87, o policial Alex Murphy do departamento de polícia de Detroit se torna o protótipo deste policial robô. No filme de Padilha isso acontece por que Murphy sofre um atentado a bomba, promovido por criminosos da cidade com ajuda de polícias corruptos que querem eliminar Murphy, pois ele é uma policial ético que combate a corrupção dentro de seu departamento. Isso não significa que José Padilha tenha feito de Alex Murphy uma espécie de Capitão Nascimento, são dois robôs totalmente diferentes. Encontrando-se entre a vida e a morte, a única possibilidade de continuar vivo para o policial é ter o que sobrou do seu corpo colocado dentro de uma máquina. A partir daí, surge outra diferença entre as duas versões. Na versão de 87, a consciência humana de Alex Murphy praticamente desaparece dentro das diretrizes para as quais a “máquina está programada”. Padilha foi em outra direção, deixando o policial totalmente consciente de quem ele era antes do atentado e mantendo sua humanidade. Achou isso uma coisa positiva? Pergunta para o Alex Murphy se ele gostou.

 

José Padilha conseguiu fazer um filme que ao terminar de assisti-lo te deixa com aquela boa e velha sensação de que você terá muita coisa pra ficar pensando durante a semana, isso porque Robocop traz questionamentos relevantes sobre o nosso tempo, como o papel das grandes corporações (farmacêuticas, armas) que lucram em cima das misérias do mundo, e sobre como a tecnologia tem influenciado não apenas as relações pessoais, mais também políticas. Mas também é um filme que consegue ir além, pois também trás questionamentos filosóficos perturbadores ao tratar da objetividade da tecnologia em confronto com a emoção humana, ao tratar da desumanização dos agentes de segurança pública para lidarem criminalidade sem questionar de onde ela vem, ao tratar do fortalecimento de discursos fascistas usando o aumento da violência como desculpa para se estabelecer, e tudo isso sem deixar de ser um blockbuster.

 

 

P.S. Júnior Silva não confiaria em uma sociedade onde policiais seriam robôs, mas também não consfia nos policiais humanos de sua sociedade. 

Um Reboot das Mesmas Qustões

Júnior Silva - março de 2014

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